Maria Angélica Cardoso Pereira
Faz um mês que aconteceu e eu até
agora não disse nada. Dia 07 de abril, Lollapalooza em sua versão brasileira. O
feriado tinha tudo para ser extremamente feliz. Foo Fighters, páscoa e almoço
em família no domingo. Porém havia algo, uma coisa que trouxe, ao contrário,
extremo desconsolo para todos nós: meus pais, irmão, tios e avós, e conhecidos.
Em tal dia, 07 de abril, por
volta das 18h, enquanto eu aguardava que se iniciasse o show da Joan Jett, uma
pessoa extremamente especial faleceu. Seu nome era Maria Angélica, e a ela eu
dedico este texto com todas suas palavras, bem como todos os momentos nos quais
senti sua ausência desde então. Sei que levou tempo para que eu escrevesse,
talvez por não saber ou entender muito bem aquilo que deveria ser dito, ou
ainda apenas para evitar de tocar no vazio que ela deixou em algum lugar ao partir.
Pois bem, Maria Angélica faleceu
aos 86 anos de idade. Fora mãe de três filhos e avó de quase dez neto. Na
década de noventa, foi bisavó de uma menina e de um menino: eu e meu irmão.
Pouco tempo, muito pouco tempo antes de nos deixar, foi bisavó por mais duas vezes. Provavelmente, se eu quisesse
escrever um livro sobre sua vida, poderia, muito embora minha mente imatura de 19 anos não
permita nem de longe que eu obtenha ideia das coisas pelas quais Maria Angélica
passou no decorrer dos anos de sua longa vida. Mas que teve história para contar e
coisas a ensinar, não tenho a menor dúvida. Eram coisas boas e ensinou bem. Sei
disso. Qualquer um que conheça minha família irá entender.
É quase engraçada a
forma com que enquanto escrevo esse texto, me vem à mente desvendar os
mistérios da vida de Maria Angélica. Quais segredos guardaria alguém que
nasceu em 1926? O pensamento é instigador. Com
muito orgulho, digo que minha bisavó aprendeu com a vida aquilo que tentaram me
ensinar na escola. Muito pequena, presenciou a Crise de 29, depois a Revolução
de 30, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria, o nascimento e a queda do Muro de
Berlim. Provavelmente assistiu nos cinemas a maior parte dos filmes de Charles Chaplin,
presenciou orgulhosamente a participação de seus filhos em busca de um país
melhor nos tempos de ditadura, sempre tentando ensiná-los a dar o melhor de si,
sempre encorajando a seguir em frente e alimentando com força, fé em suas
crenças, dignidade e respeito. Não há palavra no mundo que explique o
sentimento de orgulho e carinho que guardo por minha sempre querida bisavó!
E todas as
vezes em que me lembro do tempo que passamos juntas, todas as vezes em que
agora penso em tudo aquilo que deixei de perguntar a ela, tudo aquilo que
deixei de aprender com ela, todo o tanto que dela deixei de conhecer, bem como todo o carinho de bisneta que talvez eu tenha
deixado de dar, meu coração parece bater de um jeito estranho dentro do peito,
meio como um descompasso, e acho que o nome disso tudo só pode ser saudade.
Talvez seja essa uma das saudades mais profundas que já senti na vida, talvez a
mais profunda, talvez uma das únicas verdadeiramente reais.
Nos seus
últimos dias de vida, quando ia a visitar aos finais de semana, me lembro dela
com ternura e afeto. Como será possível que uma pessoa prestes a deixar o mundo
humano e com plena consciência de sua situação, com plena consciência da fase
pela qual estava prestes adentrar, pudesse continuar a viver com tanta
tranquilidade, tanta coerência e lucidez? Não acho que eu seria capaz. E isto
aumenta ainda mais os meus motivos de orgulho.
Se existe um dia que para
sempre lembrarei com felicidade por ser quem sou, tal dia foi quando, pela
penúltima vez em que a vi, sua ajudante, enquanto estávamos sentadas
observando-a dormir, contou-me de como ela sempre falava sobre mim coisas boas
com orgulho e alegria. Mal poderia ela imaginar que verdadeira alegria foi
aquela que senti quando fiquei ciente de seu carinho. E tal alegria, digo mais
uma vez, guardarei eternamente.
Não sei bem se essas poucas
palavras são dignas da grandeza da pessoa que foi minha bisavó, embora
certamente compreenda que jamais chegarão perto de fazer jus a sua história.
Mesmo assim, constituem-se de todos meus sentimentos mais sinceros. E de tal modo,
após pouco mais de um mês de atraso, reflexão e saudades, deixo meu mais feliz
adeus. Feliz sim, pois despedidas como esta não devem ser coisa triste. Se há
algo que minha bisavó mereça, tal algo nada mais é que felicidade. Alegria, por
ser exatamente o que ela sempre transmitiu a todas pessoas que viviam ao seu
redor. Assim sempre me lembrarei dela: um par de olhos azuis, um sorriso no
rosto, e um arsenal de grandes histórias de uma vida inteira para contar.
Aonde quer que esteja, minha
avó querida, espero que agora escute atentamente ao que por último irei aqui
dizer: para sempre amarei e lembrarei de você.
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