sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Um milagre cotidiano

Andava eu então por São Paulo rumo ao meu apartamento, após mais um dia comum de trabalho e com todas aquelas minhas preocupações muitas vezes até mesmo exageradas (na maioria delas), tanto quanto exasperada (meu atual estado de espírito desde umas duas semanas atrás), e pensando sobre uma forma prática de encontrar em algum lugar aquela coisa que me faltava (um novo emprego, ou um curso de culinária talvez), quando cruzei a Paulista com a Consolação. Fui descendo a rua distraidamente, quando por algum motivo desimportante, decidi entrar em uma dessas grandes lojas de roupas e acessórios (lojas Pernambucanas, para ser mais exata e mil vezes menos poética).
Fui olhando as roupas vagarosamente, comecei a pensar sobre o que iria vestir no aniversário de uma amiga daqui umas duas semanas, sobre fazer algumas compras de roupas da nova estação, sobre a Rua José Paulino e sobre o Brás. De repente, percebi mesmo sem perceber, que por um momento havia esquecido todos os meus problemas, possíveis neuras e loucuras, e principalmente sobre o fato de ter deixado de levar meus óculos ao fórum (motivo pelo qual peguei a Consolação de volta ao apartamento onde moro). Comecei a viajar naquele momento de vagueza mental do tipo extremamente raro para uma pessoa como eu, quando olhei de relance para meu braço direito e vi algo diferente da cor de minha jaqueta meia-estação e fiquei com medo do inseto que havia pousado em mim. Era uma mariposa, estava certa disso. E precisava tirá-la de mim, urgentemente. Odeio mariposas e tentei bater o braço no ar para que a escrotinha voasse para algum lugar bem longe de tudo o que me pertencia.
Um funcionário da loja reparou no que acontecia e instantaneamente me ajudou com a mariposa, batendo uma blusa nela para que fosse a outro lugar. Quando levantou vôo, logo reparei em algo surpreendente: não se tratava de uma mariposa, mas sim de uma bela borboleta de tamanho médio e cor de mel com manchas de um marrom um pouco mais escuro. No momento em que percebi a condição de borboleta daquele bichinho que segundos atrás havia julgado escroto, deparei-me com algumas pequenas verdades as quais tinha esquecido por completo – se não ignorado – com a visão pessimista construída em minha mente por uma equação de motivos x.
Acontece que de alguma forma, percebi o ocorrido como um pequeno milagre daqueles tão comentados pelas pessoas e tão relatado nos livros e filmes e músicas, milagre bonito e que eu já julgava fictício. Sofri um leve choque de realidade que bateu em meu corpo como os pequenos fisgares de eletricidade que eu tanto precisava.
Sendo tão honesta como em nenhum outro momento deste texto, meu dia tinha sido um porre e eu estava magoada pra caralho. Na verdade, não posso deixar de dizer que ando bem magoada e sensível com tudo. Mas a borboleta mudou meu dia. Qual a probabilidade de algo assim acontecer dentro de uma magazine gigantesca localizada em um dos locais mais poluídos, estressantes e sujos do país num dia triste e chuvoso? São Paulo parecia chorar. Pelo menos a meu ver.
Prefiro acreditar que as chances de todo o lance são pequenas, muito pequenas, e que talvez aquela borboleta que me encontrou e depois saiu voando seja a coisa pela qual tenho pedido constantemente ao que cabe a cada um denominar de Deus, força, energia ou qualquer outro nome. Prefiro acreditar que a borboleta tenha sido para mim um sinal de esperança. O mesmo sinal que dias atrás pensei ter sentido no vento repentino e momentâneo que soprou pela janela do 14º andar diretamente em minha direção. E eu bem sei que não é possível uma vida sem esperança. Todos precisam de esperança para viver. Até mesmo os fortes. Aliás, o que é ser forte? Mais uma coisa a qual desconheço significados.
Esses dias li uma frase postada por uma amiga, frase de Guimarães Rosa e que diz assim: ‎"Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo." Talvez a minha vida seja assim: repleta de milagres cotidianos que na maioria das vezes me encontro incapaz de enxergar. Milagres como um sorriso, um gesto, um abraço, uma gentileza de algum desconhecido ou até mesmo um bom dia. Um pedido de perdão ou a descoberta de um grande amigo. Milagres que eu mesma sou capaz de realizar diariamente, desde os pequenos até os grandes. Por que todo milagre por sua condição de milagre é constituído de pura grandeza. Então prefiro seguir assim: acreditando e realizando. O destino de cada um, em sua mais direta significação, é determinado por cada um através de suas escolhas e atitudes. Meu tempo não é eterno.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Texto sem título.

Escrever.
Mas sobre o que?
Talvez a respeito dos dias que se intercalam numa rotina de acabar rápida ou vagarosamente.
Ou então sobre olhos e sorrisos que enganam a qualquer alma que não queira ver algo realmente nada mais comum que todos os demais.
Escrever sobre uma expressão facial momentaneamente pura em todos seus diversos sentidos, ao tratar-se de algo para o qual se dá um valor mais especial que o de costume.
Relembrar a respeito de coisas tidas certamente como sonhos durante um certo período de tempo - às vezes até mais curto que qualquer período de um sonho verdadeiramente sonhado deveria ser - e que depois desaparecem como remota e vaga ilusão de algo que apenas poderia ter sido vivido.
Poderia ter sido mas não foi.
E a culpa é de quem?
De quem é a culpa de sonhar e iludir e sonhar e iludir repetitivas e constantes vezes, vezes possivelmente até mesmo mais constantes e velozes que o bater dos cílios num piscar de quaisquer olhos humanos?
E quem deu direito ao homem de julgar o devaneio alheio com o repúdio encontrado naqueles que não toleram a possibilidade da existência de nada ultrapassador das barreiras consideradas aceitáveis segundo certa forma de comportamento pré- estabelecido dentro daquilo tido como digno dentro do convívio social ideal?
E quem disse que há direito de julgar o desigual?
Não há. Pois o desigual também não há.
E igualmente não há nada do que aqui alguns minutos atrás foi escrito.
Não há nada disso.
Aqui não há de haver nada.